quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Discurso do Presidente da República na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial

Sessão Solene no STJSupremo Tribunal de Justiça, 30 de janeiro de 2013
Aqui neste Salão Nobre, uma vez mais nos reunimos para assinalar a Abertura do Ano Judicial.
Instituída há vários anos, objeto de consagração na lei, esta cerimónia não deve converter-se num ritual vazio de sentido.
Mais do que um ato solene dirigido para o interior do sistema judicial, este encontro tem de estar orientado para o País, para o Povo, em nome do qual a Justiça é administrada.
É para os cidadãos – os destinatários das decisões dos tribunais – que os protagonistas da nossa Justiça devem falar.
Importa, assim, que esta Cerimónia de Abertura do Ano Judicial seja uma real expressão da abertura da Justiça à comunidade dos cidadãos, a toda a Res publica.
Os cidadãos, as empresas e as instituições têm o direito de saber como se administra a Justiça no seu País.
A Justiça é uma atividade fulcral do Estado e, pela sua natureza intrínseca, deve exercer-se com discrição e pautar-se por um forte sentido de responsabilidade e de contenção. Daí que só pontualmente os mais altos responsáveis pelo sistema judicial tenham oportunidade de prestar contas aos cidadãos e de, em conjunto, com serenidade e elevação, proceder a uma reflexão profunda sobre a Justiça do nosso País.
A Abertura do Ano Judicial representa um momento privilegiado para que a Justiça fale aos Portugueses, fazendo o diagnóstico dos problemas e exprimindo os seus anseios, mas também, e de forma construtiva, propondo soluções e apontando caminhos
Neste ano de 2013, surge reforçada a necessidade de atuarmos com empenho, com sentido de Estado, com ponderação e, acima de tudo, pensando no interesse nacional e nos cidadãos, a quem todos, sem exceção, devemos prestar contas.
A Justiça deve constituir, em si mesma, um elemento de integração e um fator de coesão na sociedade portuguesa, através de uma resolução atempada dos litígios e de uma afirmação permanente da autoridade democrática na defesa dos direitos dos cidadãos.
Ninguém pode pretender colocar-se à margem dos desafios coletivos com que o País se depara e que convocam a ação responsável de todos os Portugueses. E, dentre estes, sobressaem, pela sua tão digna quanto exigente missão, aqueles que protagonizam no dia-a-dia a realização da Justiça.
O sistema judicial é o garante da autoridade do Estado, no sentido em que a este compete assegurar o efetivo exercício de todos os direitos dos cidadãos.
Ao contrário do que alguns supõem ou pretendem fazer crer, a autoridade democrática e a liberdade cívica não são valores incompatíveis. São valores convergentes numa democracia consolidada, como aquela que construímos e onde nos orgulhamos de viver. É o poder judicial que, em última instância, deve assegurar a convergência entre a autoridade e a liberdade.
Impõe-se, pois, que tenhamos a consciência clara da situação atual do nosso País, da dimensão extraordinária do esforço que temos de fazer e da missão que a cada um compete.
O nosso tempo é um tempo de trabalho árduo e de sacrifícios, mas deve ser um tempo de justiça e de equidade. Quanto maior é a dimensão dos sacrifícios exigidos, maior tem de ser a preocupação de justiça na sua repartição.
Do respeito pelos princípios da justiça e da equidade depende a preservação de um valor supremo, ao qual tenho feito referência em diversas ocasiões. Trata-se do valor da coesão nacional, da coesão entre os Portugueses. Ao contribuir para a garantia da coesão social e da coesão intergeracional, a Justiça é um fator determinante de estabilidade e de paz social.
Por outro lado, o sistema judicial deve dar um contributo ativo para que Portugal vença as dificuldades do presente. Como tive ocasião de sublinhar recentemente, inverter a tendência negativa que se verifica na produção nacional e no emprego é o grande desafio que temos de enfrentar em 2013.
Esta deve ser a nossa primeira prioridade.
Na conjuntura atual, mais do que nunca, a Justiça deve primar pela eficiência e pela celeridade na resolução dos litígios com incidência económica.
Dessa forma, o sistema judicial prestará um contributo imprescindível para a melhoria do clima de confiança e para o crescimento da nossa economia.
Estudos recentes, levados a cabo por entidades independentes, confirmam que a lentidão dos tribunais é encarada, pelos agentes económicos, nacionais e estrangeiros, como um dos principais obstáculos à atividade das empresas.
Existe uma perceção generalizada – e quero sublinhar este ponto – de que os nossos magistrados são profissionais de elevada competência e de que as decisões judiciais são, em regra, bem fundamentadas e justas.
Simplesmente, a par disso, existe uma convicção muito comum de que há bloqueios e ineficiências em vários aspetos sistémicos inerentes ao funcionamento da Justiça portuguesa.
A legislação produzida deve distinguir-se pela qualidade e estabilidade, pois só assim poderá ser desenvolvida uma jurisprudência coerente, que constitua um elemento de segurança jurídica e um fator de confiança na certeza do Direito.
Para os agentes económicos, e, em particular, para os investidores nacionais e estrangeiros, que necessitam de planear as suas decisões e estratégias, a confiança no ordenamento jurídico, designadamente na estabilidade do sistema jurídico-tributário, é um elemento determinante.
Um empresário não toma uma decisão de investimento de milhões de euros se considerar imprevisível o regime fiscal com que contará no futuro.
Além disso, face à mobilidade internacional dos fatores de produção, um país para o qual a captação de investimento seja decisiva para o crescimento económico e a criação de emprego não pode permitir-se ignorar a competitividade fiscal face aos seus concorrentes.
Aqueles mesmos estudos independentes sinalizam a corrupção, a economia paralela e a fraude fiscal como realidades que afugentam o investimento e corroem as bases do crescimento económico. Têm de ser combatidas com firmeza, logo em termos preventivos, de modo a evitar o eclodir destes fenómenos e a favorecer a sua deteção precoce.
Como referi, a celeridade judicial é considerada pelos agentes económicos como uma das principais condicionantes do desenvolvimento da sua atividade. Correspondendo ou não à realidade da vida judiciária, o certo é que existe essa perceção, o que pode representar um sério obstáculo à captação de investimento.
Ora o investimento, permitam-me que o sublinhe, teve entre nós uma queda acumulada de 36 por cento entre 2009 e 2012 e torna-se urgente conseguir recuperá-lo.
Os recentes tribunais criados em matéria de concorrência, regulação e supervisão e em matéria de propriedade intelectual são essenciais para uma Justiça especializada com reflexos diretos no domínio económico. É importante que disponham dos meios humanos e materiais adequados a um desempenho célere na decisão das questões que justificaram a sua criação.
O sistema judicial contribuirá igualmente para que Portugal vença as dificuldades económicas e financeiras que atravessa se a legislação processual, nomeadamente no domínio processual civil, contiver soluções normativas que garantam, sem quebra de princípios fundamentais, formas simples e expeditas de obtenção de decisões judiciais em prazos razoáveis.
Sem pôr em causa o direito à cobrança coerciva de créditos, temos, como comunidade, de nos questionar sobre a legitimidade de, em algumas áreas de negócio, o ónus dessa cobrança ser sistematicamente remetido para os tribunais.
Se muitos dos problemas da ação executiva puderem ser resolvidos a montante desta, promovendo a simplificação do próprio regime substantivo de algumas obrigações, evitar-se-á que os tribunais sejam esmagados por uma infinidade de litígios, alguns de pequena expressão, que muitas vezes perduram, já sem utilidade prática.
Senhoras e Senhores,
É aceite, de uma forma geral, a necessidade de transformações no sistema de Justiça que respondam aos novos desafios impostos pela situação económica e social, implicando a adoção de soluções normativas inovadoras, a criação de instituições especializadas de resolução de conflitos, bem como a modernização das estruturas judiciárias e a formação especializada dos agentes de justiça. Neste contexto, vale a pena registar o esforço assinalável que tem vindo a ser feito pelo Governo para responder às exigências de mudança na área da Justiça.
Como tem sido reconhecido, este é um domínio em que as reformas projetadas ou em curso devem ser realizadas buscando consensos político-partidários e a audição dos principais agentes judiciários, sendo imprescindível assegurar, também, um permanente acompanhamento dos resultados obtidos.
O envolvimento ativo dos aplicadores do Direito e o diálogo interpartidário são de grande importância para assegurar a estabilidade necessária para que as reformas sejam concretizadas e avaliadas num horizonte temporal minimamente razoável.
Reformar a Justiça não é apenas mudar aquilo que julgamos ser negativo. Reformar a Justiça é igualmente apurar o que está bem, estabilizar o sistema como um todo e agilizar procedimentos.
Importa, de facto, ter consciência de que existem elementos positivos no nosso sistema de Justiça, elementos que devem ser enaltecidos, preservados e servir de exemplo.
Em alguns domínios, com destaque para as leis em matéria económica e tributária, haverá que atuar de forma ponderada, adotando soluções normativas claras e coerentes, na consciência de que se trata de domínios em que a certeza jurídica e a previsibilidade são fatores determinantes das decisões dos agentes empresariais e dos investidores.
As leis, por melhores que sejam, dependem de instrumentos que assegurem a sua concretização. Caso contrário, tornam-se, elas próprias, um fator adicional de ineficiência ou, até, de entropia do sistema.
Independentemente dos ganhos de eficiência que podem ser obtidos pela racionalização dos recursos afetos à área da Justiça, o legislador, ao introduzir alterações no ordenamento jurídico, deverá ponderar até que ponto existem meios humanos e técnicos para as concretizar.
Devemos, em suma, garantir a qualidade e a fiabilidade das leis, quer do ponto de vista do seu apuro técnico-jurídico, quer do ponto de vista do consenso político que as deve suportar, quer ainda, das condições para a sua fidedigna aplicação, face à estrutura preexistente do aparelho judicial e da Administração Pública em geral.
Senhoras e Senhores,
Na atual situação de crise, todos os profissionais do foro irão, provavelmente, ser chamados a debater-se com um maior volume processual. Quero, nesta ocasião, exprimir-lhes o meu apreço e sublinhar o quanto é essencial que magistrados, advogados, solicitadores e funcionários vejam adequadamente fortalecidos os meios judiciais para um exercício cada vez mais exigente das suas funções.
Estou certo de que o sentido de responsabilidade irá imperar, seja da parte dos agentes políticos, seja da parte dos operadores judiciários.
Creio que a atual situação do País gera, de algum modo, um efeito de estímulo, alertando todos os responsáveis pela Justiça portuguesa para a necessidade de uma cultura de responsabilidade, em que prevaleçam os princípios da independência, da isenção e da defesa dos direitos dos cidadãos.
Vivemos um tempo em que é exigido ao poder judicial, no seu todo, um empenho adicional para, no quadro da legalidade democrática, contribuir para a resolução dos problemas económicos e para fortalecer a coesão e a justiça social.
Portugal orgulha-se de ser, há quase 40 anos, um Estado de direito democrático.
Para que o Estado de direito seja, para o comum dos cidadãos, uma realidade palpável, é essencial que as instituições funcionem e que cada qual faça bem o trabalho que lhe compete.
Tenho a certeza, a absoluta certeza, de que a magistratura portuguesa e os demais operadores judiciários saberão estar à altura das suas responsabilidades.
Muito obrigado.

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