Discurso do Presidente da República na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial
Supremo Tribunal
de Justiça, 30 de janeiro de 2013
Aqui
neste Salão Nobre, uma vez mais nos reunimos para assinalar a Abertura do Ano
Judicial.
Instituída há vários anos, objeto de consagração na lei, esta
cerimónia não deve converter-se num ritual vazio de sentido.
Mais do que um ato solene dirigido para o interior do sistema
judicial, este encontro tem de estar orientado para o País, para o Povo, em
nome do qual a Justiça é administrada.
É para os cidadãos – os destinatários das decisões dos tribunais
– que os protagonistas da nossa Justiça devem falar.
Importa, assim, que esta Cerimónia de Abertura do Ano Judicial
seja uma real expressão da abertura da Justiça à comunidade dos cidadãos, a
toda a Res publica.
Os cidadãos, as empresas e as instituições têm o direito de
saber como se administra a Justiça no seu País.
A Justiça é uma atividade fulcral do Estado e, pela sua natureza
intrínseca, deve exercer-se com discrição e pautar-se por um forte sentido de
responsabilidade e de contenção. Daí que só pontualmente os mais altos
responsáveis pelo sistema judicial tenham oportunidade de prestar contas aos
cidadãos e de, em conjunto, com serenidade e elevação, proceder a uma reflexão
profunda sobre a Justiça do nosso País.
A Abertura do Ano Judicial representa um momento privilegiado
para que a Justiça fale aos Portugueses, fazendo o diagnóstico dos problemas e
exprimindo os seus anseios, mas também, e de forma construtiva, propondo
soluções e apontando caminhos
Neste ano de 2013, surge reforçada a necessidade de atuarmos com
empenho, com sentido de Estado, com ponderação e, acima de tudo, pensando no
interesse nacional e nos cidadãos, a quem todos, sem exceção, devemos prestar
contas.
A Justiça deve constituir, em si mesma, um elemento de integração
e um fator de coesão na sociedade portuguesa, através de uma resolução atempada
dos litígios e de uma afirmação permanente da autoridade democrática na defesa
dos direitos dos cidadãos.
Ninguém pode pretender colocar-se à margem dos desafios coletivos
com que o País se depara e que convocam a ação responsável de todos os
Portugueses. E, dentre estes, sobressaem, pela sua tão digna quanto exigente
missão, aqueles que protagonizam no dia-a-dia a realização da Justiça.
O sistema judicial é o garante da autoridade do Estado, no
sentido em que a este compete assegurar o efetivo exercício de todos os
direitos dos cidadãos.
Ao contrário do que alguns supõem ou pretendem fazer crer, a
autoridade democrática e a liberdade cívica não são valores incompatíveis. São
valores convergentes numa democracia consolidada, como aquela que construímos e
onde nos orgulhamos de viver. É o poder judicial que, em última instância, deve
assegurar a convergência entre a autoridade e a liberdade.
Impõe-se, pois, que tenhamos a consciência clara da situação
atual do nosso País, da dimensão extraordinária do esforço que temos de fazer e
da missão que a cada um compete.
O nosso tempo é um tempo de trabalho árduo e de sacrifícios, mas
deve ser um tempo de justiça e de equidade. Quanto maior é a dimensão dos
sacrifícios exigidos, maior tem de ser a preocupação de justiça na sua
repartição.
Do respeito pelos princípios da justiça e da equidade depende a
preservação de um valor supremo, ao qual tenho feito referência em diversas
ocasiões. Trata-se do valor da coesão nacional, da coesão entre os Portugueses.
Ao contribuir para a garantia da coesão social e da coesão intergeracional, a
Justiça é um fator determinante de estabilidade e de paz social.
Por outro lado, o sistema judicial deve dar um contributo ativo
para que Portugal vença as dificuldades do presente. Como tive ocasião de
sublinhar recentemente, inverter a tendência negativa que se verifica na
produção nacional e no emprego é o grande desafio que temos de enfrentar em
2013.
Esta deve ser a nossa primeira prioridade.
Na conjuntura atual, mais do que nunca, a Justiça deve primar
pela eficiência e pela celeridade na resolução dos litígios com incidência
económica.
Dessa forma, o sistema judicial prestará um contributo
imprescindível para a melhoria do clima de confiança e para o crescimento da
nossa economia.
Estudos recentes, levados a cabo por entidades independentes,
confirmam que a lentidão dos tribunais é encarada, pelos agentes económicos,
nacionais e estrangeiros, como um dos principais obstáculos à atividade das
empresas.
Existe uma perceção generalizada – e quero sublinhar este ponto
– de que os nossos magistrados são profissionais de elevada competência e de
que as decisões judiciais são, em regra, bem fundamentadas e justas.
Simplesmente, a par disso, existe uma convicção muito comum de
que há bloqueios e ineficiências em vários aspetos sistémicos inerentes ao
funcionamento da Justiça portuguesa.
A legislação produzida deve distinguir-se pela qualidade e
estabilidade, pois só assim poderá ser desenvolvida uma jurisprudência
coerente, que constitua um elemento de segurança jurídica e um fator de
confiança na certeza do Direito.
Para os agentes económicos, e, em particular, para os
investidores nacionais e estrangeiros, que necessitam de planear as suas
decisões e estratégias, a confiança no ordenamento jurídico, designadamente na
estabilidade do sistema jurídico-tributário, é um elemento determinante.
Um empresário não toma uma decisão de investimento de milhões de
euros se considerar imprevisível o regime fiscal com que contará no futuro.
Além disso, face à mobilidade internacional dos fatores de
produção, um país para o qual a captação de investimento seja decisiva para o
crescimento económico e a criação de emprego não pode permitir-se ignorar a
competitividade fiscal face aos seus concorrentes.
Aqueles mesmos estudos independentes sinalizam a corrupção, a
economia paralela e a fraude fiscal como realidades que afugentam o
investimento e corroem as bases do crescimento económico. Têm de ser combatidas
com firmeza, logo em termos preventivos, de modo a evitar o eclodir destes
fenómenos e a favorecer a sua deteção precoce.
Como referi, a celeridade judicial é considerada pelos agentes
económicos como uma das principais condicionantes do desenvolvimento da sua
atividade. Correspondendo ou não à realidade da vida judiciária, o certo é que
existe essa perceção, o que pode representar um sério obstáculo à captação de
investimento.
Ora o investimento, permitam-me que o sublinhe, teve entre nós
uma queda acumulada de 36 por cento entre 2009 e 2012 e torna-se urgente
conseguir recuperá-lo.
Os recentes tribunais criados em matéria de concorrência,
regulação e supervisão e em matéria de propriedade intelectual são essenciais
para uma Justiça especializada com reflexos diretos no domínio económico. É importante
que disponham dos meios humanos e materiais adequados a um desempenho célere na
decisão das questões que justificaram a sua criação.
O sistema judicial contribuirá igualmente para que Portugal
vença as dificuldades económicas e financeiras que atravessa se a legislação
processual, nomeadamente no domínio processual civil, contiver soluções
normativas que garantam, sem quebra de princípios fundamentais, formas simples
e expeditas de obtenção de decisões judiciais em prazos razoáveis.
Sem pôr em causa o direito à cobrança coerciva de créditos,
temos, como comunidade, de nos questionar sobre a legitimidade de, em algumas
áreas de negócio, o ónus dessa cobrança ser sistematicamente remetido para os
tribunais.
Se muitos dos problemas da ação executiva puderem ser resolvidos
a montante desta, promovendo a simplificação do próprio regime substantivo de
algumas obrigações, evitar-se-á que os tribunais sejam esmagados por uma
infinidade de litígios, alguns de pequena expressão, que muitas vezes perduram,
já sem utilidade prática.
Senhoras e Senhores,
É aceite, de uma forma geral, a necessidade de transformações no
sistema de Justiça que respondam aos novos desafios impostos pela situação
económica e social, implicando a adoção de soluções normativas inovadoras, a
criação de instituições especializadas de resolução de conflitos, bem como a
modernização das estruturas judiciárias e a formação especializada dos agentes
de justiça. Neste contexto, vale a pena registar o esforço assinalável que tem
vindo a ser feito pelo Governo para responder às exigências de mudança na área
da Justiça.
Como tem sido reconhecido, este é um domínio em que as reformas
projetadas ou em curso devem ser realizadas buscando consensos
político-partidários e a audição dos principais agentes judiciários, sendo
imprescindível assegurar, também, um permanente acompanhamento dos resultados
obtidos.
O envolvimento ativo dos aplicadores do Direito e o diálogo
interpartidário são de grande importância para assegurar a estabilidade
necessária para que as reformas sejam concretizadas e avaliadas num horizonte
temporal minimamente razoável.
Reformar a Justiça não é apenas mudar aquilo que julgamos ser
negativo. Reformar a Justiça é igualmente apurar o que está bem, estabilizar o
sistema como um todo e agilizar procedimentos.
Importa, de facto, ter consciência de que existem elementos
positivos no nosso sistema de Justiça, elementos que devem ser enaltecidos,
preservados e servir de exemplo.
Em alguns domínios, com destaque para as leis em matéria económica
e tributária, haverá que atuar de forma ponderada, adotando soluções normativas
claras e coerentes, na consciência de que se trata de domínios em que a certeza
jurídica e a previsibilidade são fatores determinantes das decisões dos agentes
empresariais e dos investidores.
As leis, por melhores que sejam, dependem de instrumentos que
assegurem a sua concretização. Caso contrário, tornam-se, elas próprias, um
fator adicional de ineficiência ou, até, de entropia do sistema.
Independentemente dos ganhos de eficiência que podem ser obtidos
pela racionalização dos recursos afetos à área da Justiça, o legislador, ao
introduzir alterações no ordenamento jurídico, deverá ponderar até que ponto
existem meios humanos e técnicos para as concretizar.
Devemos, em suma, garantir a qualidade e a fiabilidade das leis,
quer do ponto de vista do seu apuro técnico-jurídico, quer do ponto de vista do
consenso político que as deve suportar, quer ainda, das condições para a sua
fidedigna aplicação, face à estrutura preexistente do aparelho judicial e da
Administração Pública em geral.
Senhoras e Senhores,
Na atual situação de crise, todos os profissionais do foro irão,
provavelmente, ser chamados a debater-se com um maior volume processual. Quero,
nesta ocasião, exprimir-lhes o meu apreço e sublinhar o quanto é essencial que
magistrados, advogados, solicitadores e funcionários vejam adequadamente
fortalecidos os meios judiciais para um exercício cada vez mais exigente das
suas funções.
Estou certo de que o sentido de responsabilidade irá imperar,
seja da parte dos agentes políticos, seja da parte dos operadores judiciários.
Creio que a atual situação do País gera, de algum modo, um efeito de estímulo, alertando todos os responsáveis pela Justiça portuguesa para a necessidade de uma cultura de responsabilidade, em que prevaleçam os princípios da independência, da isenção e da defesa dos direitos dos cidadãos.
Creio que a atual situação do País gera, de algum modo, um efeito de estímulo, alertando todos os responsáveis pela Justiça portuguesa para a necessidade de uma cultura de responsabilidade, em que prevaleçam os princípios da independência, da isenção e da defesa dos direitos dos cidadãos.
Vivemos um tempo em que é exigido ao poder judicial, no seu
todo, um empenho adicional para, no quadro da legalidade democrática,
contribuir para a resolução dos problemas económicos e para fortalecer a coesão
e a justiça social.
Portugal orgulha-se de ser, há quase 40 anos, um Estado de
direito democrático.
Para que o Estado de direito seja, para o comum dos cidadãos,
uma realidade palpável, é essencial que as instituições funcionem e que cada
qual faça bem o trabalho que lhe compete.
Tenho a certeza, a absoluta certeza, de que a magistratura
portuguesa e os demais operadores judiciários saberão estar à altura das suas
responsabilidades.
Muito obrigado.
Etiquetas: Presidente da República

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